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Antropologia Criacionista



A filosofia de Leonardo Coimbra pretende ser uma inovação filosófica e proposição de grandes linhas orientadoras do pensamento filosófico português, trabalhando dentro de uma perspectiva antropológica, com dois termos fundamentais que são: o Homem e a Vida.
«Leonardo José Coimbra (Borba de Godim, Lixa, 30 de Dezembro de 1883 — Porto, 2 de Janeiro de 1936) foi um filósofo, professor e político português. Enquanto Ministro da Instrução Pública de um dos governos de Primeira República Portuguesa, lançou as Universidades Populares e a Faculdade de Letras do Porto. Como pensador fundou o movimento “Renascença Portuguesa”, e evoluiu do criacionismo para um intelectualismo essencialista e idealista, reconhecendo a necessidade de reintegrar o saber das "mais altas disciplinas espirituais", como a metafísica e a religião.» (in: http://pt.wikipedia.org/wiki/Leonardo_Coimbra
Com efeito, o autor do “Criacionismo”, pela sua própria personalidade fogosa, não se contentava em ficar à margem dos problemas correntes do homem, e por isso empenhava-se decididamente, dinamizando uma filosofia vitalista.
O “Criacionismo” de Leonardo Coimbra não se manifesta hostil à política, mas desprendido e tolerante, propaga a fraternidade espontânea, impeditiva da dissolução das vontades, pela criação de um ideal coletivo, que seja a fonte de uma efetiva irmandade espiritual.
É assim que, no contexto da cultura portuguesa de então, o movimento da “Renascença Portuguesa”, transformado em “Criacionismo”, é um movimento de interiorização e exteriorização do espírito e que abrange uma dupla dimensão: Lusitana e Antropológica.
O “Criacionismo” pretende, assim, construir um esboço de sistema filosófico, que incorpore os valores patrióticos e antropológicos da nação, isto é: “tocar o Além mas sem esquecer a Terra”. O seu “Criacionismo” relaciona-se muito com aquele caráter místico e profundamente artístico, que atinge a pessoa moral.
Todo o trabalho de Leonardo Coimbra, visto numa perspetiva antropológica e filosófica, constitui um particular esboço ao problema do Homem e da vida. Ele tem como marco inicial o propósito sincero de tracejar um sistema filosófico que possa tornar-se um programa de ação, em que progressivamente o acordo entre o real e o pensamento seja possível. O seu pensamento filosófico subordina-se a uma consciência aberta aos problemas do Homem e da Vida, do conhecimento e da cultura, da sua comunidade e da sua pessoa.
Na evolução do seu pensamento, intercalam-se o poeta, o iletrado e o filósofo, submetidos ao crescimento espiritual e amadurecimento intelectual do seu autor, preocupado com um certo pragmatismo, numa maior capacidade de ação, mas também pelo amor à verdade, ao real, reagindo, por isso, contra o positivismo, embora admitindo as boas intenções de Augusto Comte.
O positivismo que ele rejeita é do tipo cientificista, que se degradou e se fez tecnicismo de uma ciência de aspirações técnicas. O seu “Criacionismo” critica o culto do progresso, do indefinido acréscimo do bem-estar e das comodidades materiais, o domínio da natureza.
É difícil rotular o pensamento de Leonardo Coimbra com uma qualquer corrente filosófica estrangeira, havendo quem o pretenda identificar com Bergson, por ter defendido a luta que a liberdade encetava para “subir à luz”, não obstante estar enterrada pelos vários determinismos científicos, vendo nessa luta o seu legítimo campeão em Bergson.
Outros há que preferem qualificar a filosofia de Leonardo Coimbra como uma filosofia de ação, no sentido “Blondealiano”, ou ainda que o autor do “Criacionismo” “sofre de uma visão global da existência e do destino no confronto da fé e da filosofia cristã, visão que apresenta profunda analogia com o dinamismo ‘maréchaliano”. (Leopoldo Marechal, nasceu em Buenos Aires em 1900 e faleceu em 1970. Poeta, narrador, dramaturgo e ensaísta)
Mas poder-se-á afirmar que o vitalismo de Leonardo Coimbra não é de desengano, mas de um idealismo realista, aberto em aspiração para um complemento sobrenatural. Por tudo isto, o conceito ““Criacionismo”” reflete uma categoria do ser humano, ao mesmo tempo que significa uma condição do mundo, reproduzindo, ainda, uma noção de vida ou uma forma de se viver e uma propriedade do pensamento sem obstáculos, do pensamento humano, que é criacionista, numa imitação deficiente do pensamento divino.
A verdade humana compõe-se de fragmentos de harmonia, e por isso o termo “criacionista” convém ao pensamento humano, enquanto considerado um diminutivo do pensamento criacionista, positivamente encontrado na existência genuinamente criadora de Deus.
O método criacionista é um misto de pedagogia, porque reflete a disposição espiritual que movia o seu autor, bem como fazer da atividade do pensamento um hábito, uma qualidade espiritual permanente, solicitando o indivíduo a aprofundar, explicar e intensificar o conhecimento humano do positivismo, na medida em que tendo Leonardo Coimbra estudado num ambiente de formação positivista, movido pela ideia de renovação cultural e filosófica e querendo uma nova filosofia, o seu método confunde-se em duas atitudes de um mesmo dinamismo.
Este método é a própria vida do pensamento, e deve ser só por si um sistema filosófico. Em resumo, poder-se-á dizer que o método criacionista apresenta três supostas caraterísticas:
a) Dialético: porque segue um dinamismo próprio do pensamento, que avança para novas sínteses;
b) Construtivo: porque estuda o ser mental que é a ciência para, a partir dela, encontrar o valor da arte, da moral e da própria filosofia, saindo da experiência científica, tende para todas as outras experiências, sendo a experiência fundamental, a vida;
c) Pedagógico: porque apresenta uma pedagogia própria do espírito humano, que não permite qualquer espécie de particularismo ou fechamento.
É, afinal, um método crítico de análise regressiva e síntese progressiva.
Naturalmente que o “Criacionismo” de Leonardo Coimbra enfrenta, como qualquer outro sistema filosófico, alguns problemas, face a determinados níveis dos diversos ramos do conhecimento, designadamente em relação à ciência, à filosofia, à moral, à religião, à arte, entre outros.
A filosofia de Leonardo Coimbra não adota a tendência oculta, do espírito das ciências, de fugir da metafísica, porque ela é, essencialmente, metafísica e essa é a alma e por isso, ela é, antes de tudo, um discurso sobre a atividade científica, porque efetivamente necessita dos resultados gerais das ciências para a sua elaboração, não propondo uma aceitação crítica dos simples resultado, sem a reflexão filosófica e como pensamento dinâmico e evolutivo, enquanto teoria da atividade científica, desenvolve-se em três estágios:
1. Propõe respeito às realidades científicas, estudando o sistema inteiro das ações científicas, furtando-se a qualquer espécie de idolatria;
2. É um trabalho de lógica e metafísica, que pretende mostrar, através de uma honesta reflexão filosófica, a filosofia tomando consciência do seu próprio espírito, por intermédio da ciência;
3. Admite e postula uma estrutura ideo-realista do universo com um mínimo de platonismo retificado como meio seguro para se explicar as ciências. Neste terceiro estágio o “Criacionismo” parece ser já de tendência cristã.
Para o “Criacionismo”, o verdadeiro espírito científico é aquele que põe francamente os resultados. Leonardo Coimbra procura fazer filosofia e não ciência.
Ao nível da filosofia, o “Criacionismo” provém da sua atitude crítica, face ao positivismo, porque a filosofia do “Criacionismo” é, essencialmente, a metafísica. Foi no idealismo platónico que ele encontrou o dinamismo interno do seu “Criacionismo”, saindo em busca das implicações espirituais de um conhecimento que julga poder limitar-se à simples representação de objetos dados, a captação percetível, concluindo, assim, que a alma da filosofia é a metafísica, e esta é, antes de mais, uma ontologia do espirito.
Esta metafísica submete-se às exigências do pensamento e do amor humano, até encontrar a pessoa divina e preencher o vazio requerido em termos de ideal. É, sobretudo, o sentido da vida do espírito que a metafísica do “Criacionismo” quer encontrar, distinguindo os vários planos ontológicos da realidade.
Esta atitude não pretende ser uma pura introspeção psicológica, mas uma ontologia do espírito, procurar em cada ato do pensamento humano atingir pela reflexão, e para lá do ato o dinamismo da atividade e, para além deste, o gerador dessa atividade.
A sua ontologia do espírito não deixa a metafísica cristã como uma simples hipótese de socorro às desgraças humanas, mas aponta o fulgor da esperança e a tendência da positividade da filosofia do “Criacionismo”, mas sim acabar em religião, num esforço para o divino e uma opção obrigatória.
A filosofia do “Criacionismo” é uma filosofia vitalista e metafísica, porque pretendeu restaurar a metafísica e manifestou toda a simpatia pelos pensadores que procuravam na vida o ponto de arranque para o seu filosofar. O autor do “Criacionismo” é um filósofo de formação científica, por isso ele procurou que a ciência e a metafísica caminhassem juntas e a filosofia deveria ser acrescida pela arte, pela moral e pela religião.
A filosofia colaboraria no saber humano, e como disciplina seria salvaguardado, ainda, o seu lugar de teoria geral da experiência, como assimiladora e unificadora de todas as experiências parcelares.
Mas Leonardo Coimbra é também um filósofo espiritualista, e como tal criou hábitos na contemplação e no espiritualismo da poesia portuguesa do seu tempo. Conciliou o que mais o impressionou do positivismo e do espiritualismo da poesia portuguesa, assimilou o recheio que mais lhe convinha, o que resultou num “Criacionismo” com ar de filosofia científica e de ação e também como filosofia do espírito e da abertura.
A sua metafísica é estética. Tudo é harmonia, razão, inteligência e vida, introduzindo no seu sistema a ideia de uma alma-harmonia. O “Criacionismo” é estético e o seu Deus é um artista com modelos impecáveis, esculpindo tudo. Deus é suprema harmonia, o belo por excelência.
O homem é um princípio ativo, a ação consciente de um mundo a fazer em liberdade, em ação, por isso a sua filosofia é de liberdade, um permanente ativismo, contrária ao estático, ao imóvel, é a explicitação do princípio de liberdade criadora, com espírito criador que se traduz na pedagogia do seu método e na soberba novidade da sua filosofia, numa dialética que conjuga o dinamismo do espírito e a inércia da matéria, o dinamismo da experiência inteletual e o da experiência vital concreta.
A metafísica do “Criacionismo” é espiritual e religiosa. O Deus do “Criacionismo” é o Deus Criador, e o lugar do homem é o centro da criação. O homem é, na verdade, uma linhagem quase divina, mas é, também, sensivelmente, uma impossibilidade absoluta, porque anula todas as suas obras e fecha-lhe as glórias na mais completa das derrotas.
O “Criacionismo” é, também, metafísico da vida transcendente. A morte revela-lhe uma sadia angústia perante a vida, O problema da morte ou da imortalidade da vida deixou-o às mãos com o destino e garantido pela certeza da fé cristã.
O inter-relacionamento entre o natural e o sobrenatural é um problema básico na ontologia do “Criacionismo” e a sua dialética ascensional. O eu pensante concebe-o como um EU espiritual, o ponto mais alto da hierarquia dos seres.
No natural participa uma “Graça Ontológica de Transcendência”, e todo o imanente é assim envolvido onticamente por esta Graça, que encara a morte como a superação da vida pela vida. Submerge o homem na vida porque esta é o eficaz garante da coexistência do homem com os homens, e do homem com a natureza, e esta o seu ambiente existencial.

Bibliografia

COSTA, Dalila L. Pereira da e GOMES, Pinharanda, (1976). Introdução à Saudade. Porto: Lello & Irmão, Editores.
GAMA, José, (1983). Filosofia e Poesia no Pensamento de Leonardo Coimbra. In Revista Portuguesa de Filosofia, Tomo XXXIIX-4.1983. Braga: Faculdade de Filosofia.
MORUJÃO, Alexandre Fradique, (1983) O Sentido da Filosofia em Leonardo Coimbra, In Revista Portuguesa de Filosofia, Tomo XXXIIX-4.1983. Braga: Faculdade de Filosofia.
SPINELLI, Miguel (1981). A Filosofia de Leonardo Coimbra. O Homem e a Vida. Dois Termos da sua Antropologia Filosófica. Braga: Publicações da Faculdade de Filosofia.

Venade/Caminha – Portugal, 2020

Com o protesto da minha perene GRATIDÃO

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
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